terça-feira, 31 de agosto de 2010

Seria engraçado se não fosse real...

Cito abaixo um trecho de uma carta de um professor da UFRGS publicada no jornal Zero Hora daqui de Porto Alegre. É óbvio que é pura ironia e que há muitos outros componentes nesta equação, mas que tem com certo ar de verdade, tem. Me diga o que você acha...

O que eu realmente quero é ser tratado como bandido neste país. Exijo os mesmos direitos constitucionais. Não deixo por menos. Quero isonomia de tratamento. Explico. Primeiramente, quero ter o direito de ir e vir livremente, a qualquer hora do dia ou da noite, caminhar pelas ruas e parques, sem preocupações, e não viver mais com medo, atrás de grades e barras de ferro. Igualzinho aos bandidos.

Exijo, também, ter o direito de defender a minha família e o meu patrimônio com armas apropriadas. Atualmente a legislação só permite que eu utilize em minha defesa uma faca de pão (com lâmina inferior a 10 centímetros) e um cabo de vassoura. Usados com muita moderação. Ai de mim se eu machucar o meliante! Aí sim eu vou sentir na pele o que é o rigor da lei brasileira. Quero ter uma arma de verdade, adquirida livremente no comércio local, sem necessidade de porte, exame de tiro, psicotécnico e pagamento de taxas. Quero também poder usá-la e não precisar estar ferido pelo arrombador, dentro da minha própria residência, para começar a defesa da minha vida. Enfim, tudo aquilo que não se aplica aos bandidos não deve ser aplicado a mim.

Tem mais. Não quero mais pagar imposto sobre o produto do meu trabalho (aquilo que os meus ex-alunos, hoje na Receita Federal, teimam em chamar de “renda”). Bandido não é tributado, não paga imposto sindical nem conselho regional. Exijo o mesmo tratamento fiscal. E, se por acaso eu ficar impedido de trabalhar, gostaria que meus filhos e esposa recebessem uma pensão do Estado, todo o santo mês, igualzinho aos filhos e esposas dos bandidos. Afinal, minha família também merece um tratamento assim, justo e diferenciado. E digo mais: cairia muito bem um acompanhamento de alguma ONG de direitos humanos para fiscalizar o processo e cuidar do nosso bem-estar.


Trecho da carta Exijo ser tratado como bandido - por Gilberto de Oliveira Kloeckner, Professor da UFRGS - Artigo em Zero Hora, 06/08/2010

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Hoje fui ultrapassado!

Pois é hoje eu fui ultrapassado! (antes que algum engraçadinho se apresente, fui (e não estou) ultrapassado no trânsito!). O fato em si nem sequer mereceria menção se não fosse por alguns aspectos que deram a esta ultrapassagem um colorido todo especial.
Eu estava parado na sinaleira e uma senhora cruzava a minha frente. Quando esta estava bem na minha frente a sinaleira abriu e eu simplesmente esperei enquanto a senhora continuava a cruzar a pista. Um indivíduo logo atrás de mim buzinou, e tomando a pista da direita e cantando os pneus ao arrancar, me ultrapassou e enquanto gesticulava (estaria ele treinando uma habilidade recém adquirida em LIBRAS?) entrou à esquerda na avenida adiante de mim.
Obviamente o evento foi tão surreal que nem sequer me ofendeu, à princípio… Continuei meu caminho (sim, só após a senhora, agora totalmente apavorada, ter terminado de cruzar a minha frente) e logo chegava em segurança ao meu escritório. Mas foi neste trajeto (cerca de 5 minutos) que fiquei indignado. Não pessoalmente, mas como membro que sou da raça humana, brasileiro e morador de Porto Alegre.
Indignado com a insensatez de um indivíduo que em outras circunstâncias provavelmente concordaria com o que escrevo aqui, mas naquele momento se sentiu no direito de buzinar, me ultrapassar pela direita (aos menos avisados, isso é proibido) não dar preferência a um pedestre que cruzava na faixa, além de praticar uma série de gestos que apesar de simples eram bastante eloqüentes.
O que acontece nestes momentos? Já li uma vez da expressão “seqüestro emocional”, que é quando uma parte bastante instintiva de nosso cérebro toma as rédeas de nosso processo de pensamento e reage antes que eu possa literalmente pensar. Infelizmente me declaro réu confesso de momentos assim. São momentos em que algo como uma cortina vermelha desce diante de meus olhos e quando me “dou conta”, já falei coisas que em sã consciência preferiria não ter dito.
Podemos alegar o anonimato de uma grande cidade, o stress do trânsito, o atraso para um compromisso, o que seja! Mas a realidade é que por alguma razão imperceptível para os demais mortais passo a acreditar que minha “dignidade foi ferida”, saco da espada (ou revolver, ou fuzil, ou meramente de uma língua afiada) e saio pelo mundo fazendo justiça. Que pena, pois são nestes momentos que em geral faço menos justiça, que sou menos humano e mais animal irracional…
Passei aquele dia não ruminando a ultrapassagem, mas avaliando este processo de selvageria súbita que nos acomete de vez em quando. Tenho certeza de que homens e mulheres mais equilibrados que eu, sofrem menos deste mal… mas para aqueles que às vezes gostariam de apagar gestos, palavras, ou ultrapassagens, deixo minha solidariedade e a mesma esperança que com o tempo e com uma caminhada mais íntima com o Pastor de nossas almas, possamos ter menos e menos destes eventos.

Um abraço mais tranqüilo,

Daniel Lima

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Glória das Carroças

            Como primeiro post, gostaria de reproduzir um trecho de um texto meu de Março de 2010. Este é mais para experimentar e inaugurar. Espero em breve postas algo mais atualizado.

Porto Alegre é uma cidade metropolitana em todos os sentidos. Têm universidades, uma vida cultural muito interessante, opções de lazer (para os paulistanos: há vários shoppings e dizem que são muito bons...) e também os dilemas de qualquer metrópole brasileira. Quero começar, no entanto, falando de um elemento surpreendente em uma cidade tão desenvolvida. Logo ao começar a dirigir aqui percebi um trânsito veloz, mas até relativamente disciplinado (carros param para pedestres nas faixas! Reparem que estou dizendo param para os pedestres e não sobre eles...). No entanto logo em um dos primeiros dias eu vinha dirigindo por uma avenida na faixa da direita quando percebi vários carros passando para a outra faixa. Eu imaginei um acidente ou carro enguiçado, mas logo avistei o que estava impedindo o fluir da avenida: uma carroça puxada por cavalo magro e com “cara” de maltratado. A carroça estava cheia de papéis, caixas de papelão e todo tipo de lixo recolhido por seu condutor. Os carros todos davam a volta, sem buzinar e aparentemente sem se incomodar com a carroça. Eu fiz o mesmo imaginando que este seria um evento isolado. Nem bem andei duzentos metros e ali estava outra carroça em toda sua glória medieval! Estranhei e imaginei que havia cruzado com as duas únicas carroças de Porto Alegre... até que encontrei mais uma, e outra, e outra, e... bem já deu pra entender né?

Não tenho nada contra o convívio com carroças, apesar do fato de que sua velocidade atrapalha o trânsito assustadoramente. O que as torna mais encantadoras para mim é que seus condutores não só usam um meio de transporte antiquado, mas agem como se toda a cidade ainda estivesse no século XIX (período entre os anos 1801 e 1900, para aqueles que estudaram depois dos anos 80). Eles atravessam avenidas onde bem entendem, conduzem suas carroças na contra mão, param onde lhes for mais conveniente, com frequência desrespeitam sinaleiras (faróis, semáforos, aquelas luzinhas que deveriam controlar o trânsito...), em resumo tornam nosso trânsito muito mais “interessante”. Além disso, há animais muito mal tratados, pelo menos aos meus olhos de leigo. Descobri depois que Porto Alegre tem cerca de sete ou oito mil carroças de tração animal (falo daqueles de quatro patas). Esta característica já criou tanto problema que há uma lei que até 2017 as carroças serão proibidas. Não sei qual será o destino de todos os cavalos que subitamente perderão seu emprego. Talvez até lá surja uma bolsa-capim, ou seguro-cavalo, sei lá... Se não houver nada assim vou olhar com ainda mais desconfiança os churrasquinhos de rua.

Um abraço gaúcho a todos e passando por perto, fica o convite de vir tomar um chimarrão às margens do Guaíba!

Daniel Lima